Páginas

14 setembro, 2020

Educação em tempos de pandemia...

Por Cau Alexandre

Em um ano muito confuso, muito preocupante e cheio de incertezas, nos deparamos com a surpresa de novas ideias e oportunidades.

Confesso que o primeiro semestre deste ano não foi fácil, e tenho certeza que isso é partilhado por cada ser vivente deste mundo. O medo e a incerteza foram sentidos de uma forma muito palpável por todos, mas uma onde de outros sentimentos tomaram conta de profissionais da educação que, como eu, tiveram que se reinventar durante este primeiro período da pandemia: criatividade, superação e também frustração. Aperfeiçoar conhecimentos, aprender novas técnicas, utilizar ferramentas inusitadas e agregar valores que achávamos que não estariam numa sala de aula, tudo a toque de caixa, foi demasiado exaustivo. Tivemos que nos reinventar de uma hora pra outra. Não reinventar a educação em si. Tudo isso já estava aí, toda essa tecnologia, todos os meios e ferramentas existiam. Mas a educação básica, e principalmente a educação na rede pública de ensino, estava muito, muito aquém disso tudo. E tivemos que correr atrás, do jeito que desse, com o suporte que conseguisse e geralmente, vasculhando o infinito mundo da informação sozinhos ou com um acompanhamento mínimo possível.

É inegável que tem sido difícil para pais e alunos, quem dirá para os professores que além de todo o novo, extraordinário e quase desconhecido mundo novo da educação à distância, tem que conviver com a frustração de não ter as ferramentas necessárias para fazer o seu trabalho que não é só criar conteúdo, porque não somos blogueiros, embora sejamos "influencers" desde antes da era digital, mas temos que ter um retorno desse conhecimento gerado, acompanhar o desenvolvimento desse aluno e, de alguma forma avaliar o progresso (ou não) do discente. Qualquer "marqueteiro" meia-boca tem muito menos trabalho que isso e ganha infinitamente mais que um professor. Sem esquecer que por trás (ou correndo paralelo a isso) temos família, saúde, o dia-a-dia da casa e tudo mais que não espera até termos feito tudo bonitinho do trabalho. Mas quem vai levantar essa questão, já que é o nosso trabalho. É? No fim das contas não me importaria de ser arquiteto de Informação, web designer, redator e editor de conteúdo, programador (ah! meu Deus, como eu queria), analista de mídias sociais e de marketing digital, para ter certeza que estou fazendo a coisa certa. Mas quem saberia?

Tempos difíceis, com soluções inusitadas e criativas que criam um novo tempo. Uma Nova Era! Infelizmente uma era não democrática e que tenta justificar a falta de muita coisa necessária com a sentença simples de que "fazemos o que podemos". Será que na educação só o professor pode e precisa se sacrificar? 

Como bem disse Platão: “A necessidade é a mãe da invenção”. No nosso caso, poderíamos parafrasear como “mãe da reinvenção”. Estamos reinventando tudo, desde as interações afetivas e sociais dentro e fora de casa, o ambiente de trabalho, a sala de aula e o relacionamento com os colegas, os alunos e o aprendizado. 

Como toda nova forma de fazer as coisas, temos ônus e bônus. Nada está solucionado. Não temos vacinas eficazes, testadas positivamente, fabricadas em larga escala e gratuitas. Pessoas continuam adoecendo e morrendo. Nada foi resolvido. É impossível não continuar preocupado, mas uma verdade é que é inadmissível congelar diante do medo, seja que medo for. É inadmissível cruzar os braços diante da sensação de impotência. Temos medo, sim,  da doença, do contato, da incerteza dos novos tempos e tememos e resistimos fazer coisas diferentes, tais como andar de máscara, virar "viciados" em álcool gel ou aprender de um jeito diferente. 

Percebo que precisamos aprender a aprender de uma forma nova, e, consequentemente, ensinar de maneira inovadora, nem que seja inovadora para nós. Precisamos nos apoderar de ferramentas que nos ajudem a perceber o nosso novo ambiente de ensino, o nosso aluno e suas grandes dificuldades que só se agravaram com o distanciamento (pois na verdade, a falta da proximidade só agravou algumas deficiências já detectadas, instaladas e sabidas por todos). Temos que parar de romantizar a nossa situação diante das teorias e tecnologias, pois lidamos com dificuldades e frustrações imensas e bem básicas. O medo de sair de casa não afeta só aos pais e alunos, afeta os professores. A doença traz impossibilidades a todos, inclusive aos professores. A perda de entes queridos, da liberdade de ir e vir, da possibilidade de estar com quem se ama perturba a todos, inclusive ao professor. A frustração de não saber se todos o seu trabalho, muitas vezes feito na marra, está gerando resultado e de não ter as ferramentas necessárias para ter ciência disso, isso meus amigos, afeta só aos professores que estão lutando para continuar seu trabalho mesmo nos tempos difíceis.

Lidamos com dificuldades básicas, como a falta dos instrumentos, tecnologias e conhecimentos necessários para o professor pesquisar, criar e trabalhar. E vejo muitos comentários que dizem que o professor deveria estar atualizado com as novas tecnologias e estar antenado e saber utilizar tudo. Mas para alguns colegas que trabalham três turno para manter-se vivo e com comida na mesa da família faltava tempo, até pra viver, quanto mais para estar por dentro de toda a revolução tecnológica. Saindo do universo da luta diária do professor, que não se limita somente a dar aula, mas adentrando ao vasto universo das dificuldades do aluno da escola pública, encontramos o outro lado da dificuldade. Alunos que não possuem acesso à internet, por vezes, porque não possuem um celular, quem dirá um computador. Como acompanhar o desenvolvimento desses alunos? Alguns até tem acesso, mas lhes falta ajuda familiar, ou um ambiente de estudo com o mínimo possível para lhes dar um momento de aprendizado. Outros não possuem qualquer ambiente ou mesmo família. E antes que me acusem de "coitadismo", ainda temos os que tem acesso, tem família, tem ambiente, mas lhes falta interesse. E aí, o que fazer? 

Isso e muito mais precisa ser refletido, discutido e avaliado em nossos dias para que possamos reinventar um sistema que está há muito estagnado e que mesmo com toda a teorização, as novas nomenclaturas e até novas definições, muito pouco mudou ao longo dos anos no sentido real da prática e que sempre se afunila no seu processo final e nos faz obrigados a agir em sala de aula quase da mesma forma de sempre. Somos cobrados a inovar, criar, melhorar, mas trabalhamos em escolas jurássicas e com salas de aula que parecem não ter evoluído em nada. Faremos milagre a partir do nada? Criaremos a partir do vazio? Somos deuses ao invés de professores?

Espero que a partir de toda essa dificuldade existente geremos mudanças em nós, professores, que sejamos percebidos como seres humanos que carecem de apoio sócio-emocional, psicológico e tecnológico, entre tantos. Espero que nos percebamos mais capazes e que não nos calemos diante de tudo que enfrentamos, mas também que nos levantemos e façamos algo por nós mesmos e pelo nosso trabalho. Ser professor nunca foi sinônimo de acomodação, então já estamos acostumados com a luta diária. Que levantemos questionamentos maiores e que esses questionamentos cheguem às instâncias daqueles que podem mudar nossa atual realidade de ensino.

Espero presenciar e partilhar de uma forma ativa essa mudança. Espero muito intensamente que a mudança seja real, seja ativa e envolva a todos nós. Que os pais parem de dar desculpas e criar culpas para os professores e percebam que sem a família não há educação. Que os estudantes percebam sua real tarefa, e a real importância da sua autonomia, com os prós e contras de crescer a aprender. Que os professores entendam que não dá pra fazer milagre, mas dá pra se superar e fazer melhor todo dia. Que nossos representante e governantes, em todas as instâncias, percebam que foram eleitos para fazer a diferença na vida do povo e não só para usufruírem o poder que vem com o cargo e os honorários que lhes concedem mordomias. Que paremos de dar desculpas e nos esconder atrás da dificuldade e percebamos que o mundo mudou pra todos.

Quem sabe assim, mesmo que remotamente possamos alcançar lugares inimagináveis de aprendizado e mudança.

Nenhum comentário: